Mike Leigh é o cara

O novo filme do cineasta Inglês Mike Leigh, Happy-Go-Lucky (Simplesmente Feliz), traz meu diretor preferido num momento diferente em alguns aspectos e perfeito como sempre, em outros.

Ele constrói um personagem especial que apelidei de Amélie inglesa. Sally Hawkins, veterana nos filmes de Mike (All or Nothing – obra prima e Vera Drake), está mais madura e entrega o que seu mestre queria (o que lhe rendeu um Silver Globe).

Poppy, uma professora de colégio infantil, nega qualquer pensamento ou situação ruim e transforma seu universo num mundo feliz e poético. Sua bicicleta roubada, por exemplo, é um momento interessante, não traumático; o mal humor do seu instrutor de auto-escola (brilhantemente interpretado pelo também queridinho do diretor, Eddie Marsan) é motivo para risos, o que provoca a mais rica trama do filme.

Aliás, os risos podem ser interpretados como irresponsabilidade quando o momento seria de concentração ou respeito ao próximo e à situação, assim como seu comportamento nas mais variadas situações, que beiram a falta de respeito se pensarmos de maneira dura e pouco tolerante. Mas Leigh, quero crer, expõe isso como elemento de reflexão, mestre que é na arte de mostrar a vida de forma real e revelar as profundezas da psique humana.

Seria nossa Amélie britânica uma pessoa irresponsável? Uma pessoa que leva ao pé da letra a expressão Inglesa Happy-Go-Lucky (levar uma vida sem maiores preocupações) e, portanto, não consegue se conectar com as dificuldades do mundo adulto? Ou ainda, seria tudo isso uma provocação às pessoas que vivem dessa maneira e podem ser tachadas de irresponsáveis ou superficiais?

Tudo isso e muito mais. Mais uma vez saio do cinema com a convicção de que Mike Leigh é o cara. Não sei se ele coleciona estatuetas por aí. Aquelas que lotam a estante do Sean Penn com certeza não, mas meu iPod vai incluir mais um do mestre maior da sétima arte, na atualidade.

Em tempos de Tropa de Elite que usa da realidade dos morros e da guerra urbana brasileira como suporte letal para transmitir sua mensagem, mas com pouca profundidade psíquica e roteiro frágil, o aspirante a terceira idade, Leigh, mostra ao mundo a que veio, dentre outras coisas, provar que cinema e simples e não precisa de sangue, como a vida real deve ser.

Reinaldo Andreatta

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